30 de ago. de 2010

Novas perspectivas para a obesidade: os benefícios dos Ômegas-3 e 9 para o controle da fome e do gasto energético

Por: Cristiane Paião

Até alguns anos atrás acreditava-se que a obesidade se devia, em grande parte, ao valor energético dos alimentos que os indivíduos ingeriam. A tese, na verdade, não estava de todo errada, mas faltava ainda uma explicação mais profunda sobre como esse complexo mecanismo de ação se desenvolvia a nível celular.

Diante deste questionamento, os pesquisadores do Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel), da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, foram buscar em modelos animais outras explicações para a gênese da doença e fizeram uma descoberta importante: a ação dos ômegas-3 e 9 pode ser de grande valia nesse processo e trazer novas perspectivas para quem sofre com a doença que assola parcelas cada vez maiores da sociedade moderna.

Estudos recentes desenvolvidos pelo laboratório, coordenado pelo Prof. Lício Velloso, mostraram a forte relação entre dietas ricas em gorduras saturadas – como as presentes nas carnes bovina e suína, e em seus derivados como leite, queijos e manteiga – e o mecanismo de ação da doença em neurônios de uma região do cérebro chamada hipotálamo, responsável pelo controle da fome e do gasto energético. De acordo com estes estudos, as dietas ricas em gorduras saturadas geram um tipo de inflamação local que acaba influenciando em seu funcionamento. Processo inflamatório que, quando prolongado, pode levar à morte de neurônios e, consequentemente, à perda deste controle neural.

Uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções ao ter reduzida a sua capacidade de “percepção” entre o momento de sinalizar para o organismo a estocagem e a queima de energia. Logo, algumas pessoas, quando expostas a estas dietas, perdem gradativamente o controle da fome e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas com o decorrer do tempo.

A boa notícia é que uma pesquisa recente realizada no Labsincel traz nova luz para esta questão: o estudo mostrou como a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9 (presentes respectivamente na semente de linhaça e no azeite de oliva) é capaz não apenas de interromper como também reverter este processo inflamatório causado pelas dietas ricas em gorduras saturadas. A pesquisa foi realizada pelos professores Dennys Esper Cintra e Lício Velloso.

O estudo revelou ainda que o ômega-9, ao contrário do que se sabia até o momento (apenas o ômega 3 é reconhecido como um clássico anti-inflamatório na literatura científica) é mais potente em reverter essas condições do que o ômega-3, descrição inédita na literatura.

Realizada em modelos experimentais, a pesquisa comparou a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9 no hipotálamo de camundongos obesos e diabéticos e demonstrou que essas substâncias são capazes não apenas de atenuar a inflamação e restabelecer o processo de sinalização celular que controla o apetite como também de interromper os sinais de morte celular que vinham se instaurando.

A pesquisa mostrou, no entanto, que para que os resultados sejam efetivamente alcançados é preciso uma ingestão contínua dessas substâncias, somada à descontinuidade da ingestão elevada de alimentos ricos em gordura saturada, ou seja, é preciso que haja uma reeducação alimentar, pois, uma vez interrompido o tratamento, os neurônios voltam a sofrer o processo de apoptose (morte celular).

No estudo, inicialmente, os animais foram induzidos a se tornaram obesos e diabéticos por meio da ingestão de uma dieta altamente calórica, rica em gorduras saturadas, bastante semelhante à consumida por populações de países desenvolvidos como, por exemplo, os EUA e Inglaterra. Numa segunda etapa, quando do início do tratamento, os animais foram distribuídos em grupos que receberam dietas acrescidas de ômega-3 ou ômega-9, em diferentes concentrações.

A simples redução no consumo de gorduras saturadas já é o suficiente para a melhora no perfil metabólico em diversas espécies, inclusive em humanos, entretanto, quando tais ácidos são ainda agregados à alimentação, os processos negativos gerados no hipotálamo pelo consumo crônico da gordura saturada melhoraram de forma ainda mais exuberante. Houve recuperação do comportamento alimentar adequado, devido principalmente ao aumento na expressão de proteínas anti-inflamatórias e anti-apoptóticas, além da redução significativa na expressão de marcadores pró-inflamatórios e pró-apoptóticos no hipotálamo dos camundongos.

Somado a estes fatores, ambos experimentos demonstraram que a perda de peso não deveu-se apenas à recuperação do controle nervoso da fome, mas também porque tais substâncias aumentaram o gasto energético dos animais. Quando infundido diretamente no hipotálamo, ou mesmo quando consumidos por via oral, ambos ômega 3 e 9 aumentam no tecido adiposo marrom a expressão de uma proteína chamada de UCP-1, que é responsável pelo aumento do gasto energético. Com isso, a atividade das proteínas da via da insulina e da leptina foi restaurada. Os animais se tornaram muito mais tolerantes à glicose e também mais sensíveis às ações da insulina, antes prejudicada pela obesidade.

O impacto da substituição dos ácidos graxos na variação do peso corporal foi dependente da composição, mas não do tipo de ácido graxo. “Observamos que quando os animais consumiam esses ácidos graxos, ou quando aplicávamos diretamente no hipotálamo, a inflamação era finalizada. Os sinais de insulina e leptina enviados pela periferia chegavam até o hipotálamo e cumpriam a obrigação deles informando ao organismo que já havia nutrientes em quantidade suficientes, e que a fome deveria desaparecer”, explicou Cintra.

Outro fator surpreendente demonstrado nesse estudo foi o fato de a resposta mais interessante ter se demonstrado nos grupos que receberam as menores concentrações na dieta, tanto de ômega 3 quanto de ômega 9, e ainda de serem correspondentes a quantidades passíveis de consumo no dia-a-dia, por meio de um acréscimo natural desses alimentos em nossas refeições diárias, sem a necessidade de suplementos alimentares. Alimentos como semente de linhaça marrom, óleo de soja, sardinha e canola apresentam custos razoáveis e também excelentes fontes de ômega-3. Da mesma forma, o azeite de oliva, óleo soja, abacate e amendoim são fontes saudáveis de ômega-9.

Perspectivas:
Além de mostrar que os ácidos graxos ômega-3 e ômega-9 são capazes de interromper os sinais de morte celular, inibir a inflamação e restabelecer a sinalização celular das vias da leptina e da insulina, o trabalho trouxe evidências de que esses ácidos podem desencadear também um estímulo à gênese de novos neurônios, num processo chamado de neurogênese.

A próxima empreitada será investigar a possibilidade dessa síntese de novos neurônios, e verificar se tais ácidos graxos possuem a capacidade de exercer plasticidade sobre os neurônios afetados de indivíduos obesos, revertendo assim o processo de morte instaurado pelos ácidos graxos saturados. “Precisamos descobrir se essa plasticidade ocorre no local onde os neurônios foram mortos pelo excesso de gordura saturada. Ainda não sabemos até que ponto, e nem porque razão, mas o ômega-3 é capaz de estimular a multiplicação de neurônios. O estudo indicou que o ômega-3 pode ter sido o responsável pela regeneração daqueles neurônios que já haviam morrido naquela região do hipotálamo. O próximo passo será descobrir se o ômega-3 é mesmo capaz de restabelecer os neurônios controladores da fome, e assim devolver ao indivíduo a capacidade perdida de controlar sua fome após ele ter se tornado obeso”, concluiu Cintra.

*Reportagem originalmente publicada em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3&noticia=644

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