30 de mai. de 2010

Ômega-3: a gordura que emagrece

Aclamado por proteger as artérias e combater inflamações, o ômega-3, aquele da linhaça e dos peixes de água fria, mais uma vez surpreende os especialistas: ele daria uma ajuda e tanto na eliminação dos quilos extras
Por: Adriana Toledo
Saúde!

O status de ácido graxo essencial não deixa dúvidas sobre o caráter indispensável dessa partícula gordurosa para o bom funcionamento do corpo. Mas o argumento irrefutável de que o ômega-3 seria aliado dos rechonchudos na reconciliação com a balança chegou para nos convencer de vez da importância de rechear o cardápio com fontes desse nutriente. Além de pescados como salmão e sardinha, a linhaça fornece doses generosas da substância. A ação contra a obesidade foi discutida no XV Congresso Latino-Americano de Nutrição, realizado há pouco no Chile.

No evento, um dos destaques foi a apresentação do nutricionista Dennys Cintra, da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista. “Várias experiências apontam que a obesidade estaria relacionada a inflamações, e nós sabemos que o ômega-3 tem um bom potencial anti-inflamatório”, conta a SAÚDE!. “Por isso, decidi checar se esse tipo de gordura auxiliaria no emagrecimento”, justifica.

O nutricionista primeiro induziu um grupo de ratinhos a ganhar peso, até se tornarem diabéticos de tão balofos, graças a uma alimentação rica em gordura saturada, como a da picanha. Então, quando os bichos entravam nesse estado, Cintra examinava seu hipotálamo, região do cérebro que controla a fome. “As partículas de gordura saturada provocaram uma superprodução de citocinas, substâncias inflamatórias que impediam aquela área cerebral de disparar o sinal de saciedade”, relata.

O mecanismo, idêntico em seres humanos, se desenrola assim: “Quando nos alimentamos, são secretados os hormônios leptina, pelos tecidos gordurosos, e insulina, pelo pâncreas. Eles avisam o cérebro que é hora de frear o ímpeto de continuar comendo”, ensina a fisiologista Tatiana Rosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acontece que a inflamação atrapalha essa troca de informações. Chega uma hora em que, sem conseguir trabalhar direito, as células nervosas incumbidas de brecar o apetite agonizam até a morte.

Na tentativa de interromper esse ciclo, Cintra inoculou, por meio de uma cânula, o ômega-3 no cérebro dos roedores, confirmando que o ácido graxo reverte o processo inflamatório e restabelece a atividade celular. Por fim, suplementou a dieta das cobaias com óleo de linhaça. “Uma dose baixa do ômega já reduz a inflamação cerebral, a velocidade de engorda e a gordura visceral nos animais. De quebra, ainda aumenta seu gasto energético”, diz ele. “Regular a saciedade é fundamental para manter o peso, já que isso evita a fome excessiva e os abusos calóricos”, opina a fisiologista da nutrição Regina Watanabe, da Universidade Federal de São Paulo.

Agora, a pergunta que não quer calar: será que, como os roedores dos laboratórios de pesquisa, a gente também desfrutaria dos benefícios antibarriga do ômega-3? Antes que pairasse a sombra da dúvida sobre suas proezas, uma equipe da Universidade de Navarra, na Espanha, resolveu comparar o impacto de duas dietas pouco energéticas, com menos de 1500 calorias diárias, na queima dos quilos extras e na saúde de 32 indivíduos.

Os participantes foram divididos em dois grupos e cada um deveria aderir, durante oito semanas, a planos alimentares distintos. A única diferença entre eles foi a inclusão de três porções semanais de peixes ricos no bendito ômega-3. O peso, os perfis de colesterol e de triglicérides, as taxas de insulina e de leptina foram mensurados no início e no final do experimento. E é claro que, maneirando nas calorias, todos os voluntários conseguiram dar uma esvaziada nos pneus. Mas — adivinhe! — a eficácia da dieta foi bem maior em quem saboreou os pescados. “Houve uma melhora significativa na ação da insulina nessas pessoas”, revela a SAÚDE! Itziar Goñi, a autora do estudo. “Os níveis do hormônio ficaram mais estáveis, evitando picos seguidos de queda brusca, desequilíbrio que culminaria no aumento da fome.” Tantas façanhas têm justificativa. “O ômega-3 ativa uma proteína celular chamada PPAR-gama.

Acelerada, ela melhora a atuação da insulina nas células, facilitando sua tarefa de converter açúcar em energia”, descreve Tatiana Rosa. Converter antes de virar pneu na cintura, bem entendido. Ou seja, a molécula dá uma força para quem quer recuperar aquela calça que não entra mais. Não para por aí. “A PPAR-gama também estimula enzimas responsáveis pela degradação de triglicérides”, acrescenta Tatiana. “De fato, o consumo dos peixes provocou redução não só nas taxas dessa gordura como nas de colesterol ruim, o LDL”, confirma Itziar. Em outras palavras, o ômega-3 também combate esses algozes das artérias, prevenindo doenças cardiovasculares.

E, para completar a lista, outro ponto positivo para o ácido graxo: “Ele regula os níveis de leptina, favorecendo ainda mais o controle do apetite. Em resumo, embora economizar nas calorias ajude a emagrecer de qualquer maneira, o ômega-3 é essencial para regular a queima dos depósitos gordurosos e a fome, o que evita ataques à geladeira e potencializa a eliminação de medidas. O melhor de tudo é que garantir as doses adequadas do nutriente não é nenhum sacrifício. Basta variar entre as opções de peixe da lista à direita. “Incluí-los nas refeições de duas a três vezes por semana é o suficiente”, ensina a nutricionista Elisabeth Wazlawik, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Já a farinha de linhaça é uma ótima alternativa para acompanhar um iogurte ou uma fruta no café da manhã. É importante ressaltar que a forma de preparo desses alimentos faz toda a diferença. Isso porque o ômega-3 oxida facilmente, perdendo depressa suas propriedades. “Por isso, no caso dos peixes, prefira as receitas ensopadas, em que o caldo desprendido durante o cozimento é aproveitado”, sugere Elisabeth. Vale também a opção grelhada, mas corte de vez as frituras, já que a alta temperatura degrada a gordura do bem. “Em relação à linhaça, a dica é moê-la só na hora de consumir”, avisa a nutricionista. Por fim, substitua, sempre que possível, os tradicionais óleos de milho ou de soja pelo azeite de oliva. Além de a parceria com os filés de peixe ou com saladas salpicadas de linhaça ser deliciosa, ele dá uma contribuição extra para quem precisa afinar a cintura.

A fama e o sucesso do ômega-3 não se restringem a auxiliar no combate à barriga. Vira e mexe pipoca um novo estudo comprovando um benefício a mais dessa gordura para a saúde. Por exemplo, uma pesquisa, também desenvolvida na Universidade de Navarra com 324 pessoas obesas, revela que o consumo regular de salmão é capaz de reduzir a pressão arterial. “O ômega-3 parece relaxar as células musculares nas paredes das artérias”, explica o nutrólogo Celso Cukier, do Instituto de Metabolismo e Nutrição, em São Paulo. Daí o sangue passa por ali com maior facilidade, evitando a compressão dos vasos.

Outras propriedades do ácido graxo já são conhecidas de longa data. Uma das mais importantes é seu potencial de minimizar a ação de substâncias inflamatórias não somente no hipotálamo como em várias regiões do corpo. “Por esse motivo, ele é benéfico para pacientes que sofrem de asma, problemas cardiovasculares e intestinais, como a colite”, enumera Elisabeth Wazlawik.

Além disso, o ácido graxo favoreceria a regulação do sistema imunológico. “Acreditamos que ele tenha um papel na prevenção e no controle de doenças autoimunes, aquelas em que, devido a um descompasso, as células de defesa passam a atacar tecidos do próprio corpo”, diz Cukier. É o caso da artrite reumatoide, cujos alvos são as articulações, e da psoríase, que agride a pele. Ao que tudo indica, outras áreas do cérebro integram o rol dos protegidos pelo ômega-3. “Há dados que evidenciam a participação do óleo na produção de novos neurônios”, afirma o neurologista Cícero Galli Coimbra. “Portanto, é bem-vindo nos casos de doenças neurodegenerativas, como o Parkinson e o Alzheimer” (veja a re por tagem na pág. 36). E Cukier acrescenta: “Ainda não sabemos o porquê, mas a gor - dura também ajudaria a espantar a depressão”.

E, para finalizar essa lista extensa, não podemos deixar de citar que estudos recentes relacionam a ingestão do ômega à prevenção da osteoporose. A substância conseguiria inibir células associadas à perda de massa óssea. Estamos falando de mais de uma dezena de benefícios condensados em três simples porções semanais de filés de peixe — muito saborosos, diga-se — ou 4 colheres de sopa de linhaça por dia.

*Reportagem originalmente publicada em: http://saude.abril.com.br/edicoes/0320/nutricao/conteudo_532478.shtml?pag=3

28 de mai. de 2010

FCM identifica novo mecanismo de ação em fármaco anticolesterol

Descoberta de equipe do Laboratório de Sinalização Celular terá impacto na produção de medicamentos
Por: JEVERSON BARBIERI
Jornal da Unicamp

Pesquisa coordenada pelo professor Lício Velloso, do Laboratório de Sinalização Celular, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, identificou um novo mecanismo de ação das estatinas – classe de fármacos mais usada no tratamento de níveis elevados de colesterol no sangue. Após um ano e meio de testes e observações, a equipe de Velloso descreveu como a droga provoca uma redução do estresse do retículo endoplasmático. Do ponto de vista prático, a descoberta terá um impacto muito forte sobre os medicamentos, tanto na comercialização quanto no seu futuro, uma vez que as indústrias farmacêuticas aprimoram cada nova geração de fármacos. Academicamente, trata-se de um fato bastante significativo porque novos mecanismos de ação das estatinas vêm sendo procurados há cerca de dez anos.

"Considero esse estudo bastante importante, tanto que foi rapidamente aceito para publicação numa renomada revista da área, a Atherosclerosis", afirmou o docente. Além disso, Íkaro Soares Santos Breder, aluno de iniciação científica de Velloso e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ganhou, com a mesma pesquisa, dois prêmios: o de melhor trabalho do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic/CNPq 2009) e o prêmio principal do Congresso Paulista de Cardiologia, organizado pela Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), na categoria ciência básica.

A metodologia utilizada para decifrar esse novo mecanismo focou-se na observação de uma região específica dos macrófagos, que são células do sistema imunológico. Essa região, responsável por fabricar as proteínas necessárias para combater bactérias e organismos estranhos ao corpo, é chamada de retículo endoplasmático. Quando uma pessoa, de maneira sistemática, ingere gordura em excesso, automaticamente o sangue apresenta altos níveis de colesterol. Um desses tipos, popularmente conhecido como “colesterol ruim”, ou LDL, pode sofrer certa transformação, ficando oxidado. Em grande quantidade passa, portanto, a ser reconhecido pelos macrófagos como algo estranho que não devia estar ali.

Velloso explicou que essas células, então, fagocitam tanto colesterol que o retículo passa a funcionar de forma errada, ocasionando o que o pesquisador chama de estresse do retículo endoplasmático. Quando isso ocorre, ativa uma inflamação que ocasiona o aumento do tamanho da célula. Um grande número de células inflamadas forma a placa de ateroma ou placa de aterosclerose, principal fator de obstrução das artérias que leva a quadros de angina (dor no peito) e infartos. “O que nós observamos é que a estatina inibe esse estresse, reduzindo a inflamação e o nível de colesterol”, argumentou. Dessa maneira, o risco de mortalidade diminui e explica porque razão as estatinas protegem mais do que o nível de LDL baixo que ela promove.

Atualmente, existem cinco tipos diferentes de estatinas no mercado que, de acordo com o docente, são resultados de melhoras no processo. A indústria farmacêutica, após a criação de um novo medicamento, prossegue com as pesquisas e modifica, pouco a pouco, sua estrutura química visando minimizar os possíveis efeitos colaterais. Quando um grupo de pesquisa identifica um novo mecanismo de ação facilita para esse ramo industrial direcionar essas mudanças. “De posse dessa informação, eles podem, no futuro, produzir novas estatinas que sejam mais eficientes ainda para reduzir o estresse do retículo”, mencionou Velloso. Por se tratar de uma classe de medicamento em uso e bastante segura, o processo evolutivo torna-se mais rápido, ou seja, em questão de poucos anos a população poderá beneficiar-se de estatinas mais modernas agindo de maneira mais eficaz, prognosticou o médico.

Genética
Essa descoberta trará benefícios também para quem trabalha com pesquisas genéticas, ressaltou Velloso. Como o retículo endoplasmático regula a produção de proteínas, as quais são codificadas pelo genes, se os pesquisadores souberem quais são os genes envolvidos nesse tipo de processo, poderão direcionar seus esforços para identificar aqueles que participam efetivamente do funcionamento do retículo endoplasmático. “Seguramente terá repercussão nas formas genéticas de colesterol elevado”, garantiu.

Breder, que é aluno do quinto ano do curso de Medicina da FCM, relatou que no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp os alunos recebem uma formação muito voltada para as doenças mais prevalentes na população e a maior causa de mortalidade, tanto em países desenvolvidos quanto sub-desenvolvidos, é por doença cardiovascular, sendo que a aterosclerose é fundamental nessa causa. Participar desse trabalho, para ele, é muito gratificante porque deixa com esperança de que, com essa nova possível abordagem terapêutica conduzida por Velloso, daqui a alguns anos a sociedade terá uma droga que seja capaz de reduzir não só a instabilidade das placas que as estatinas já conseguem atualmente, mas também reduzir o tamanho delas. “Acreditamos que isso reduzirá o número de eventos atero-trombóticos. A esperança para pacientes e para quem atua na prática clínica é muito grande nesse projeto”, afirmou.

Para a bióloga e aluna de doutorado orientada por Velloso, Andressa Coope, a descoberta foi surpreendente. “Imaginávamos que o mecanismo poderia estar no efeito anti-inflamatório, no entanto, não tínhamos certeza. À medida que os resultados foram surgindo o trabalho, tornou-se mais empolgante”, disse. E completou, dizendo que pesquisas de ponta requerem bastante esforço e dedicação, mas que o produto final é extremamente compensador. Coope também tem financiamento da Fapesp. O estudo contou ainda com a colaboração do grupo da professora Helena C. de Oliveira, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Histórico
No começo da década de 1970, pesquisadores descobriram como o corpo humano sintetizava o colesterol e, assim, foi possível desenvolver medicamentos que impedissem a formação de grandes quantidades de colesterol, que são as estatinas. Somente no início da década seguinte é que essas drogas começaram a ser usados na prática clínica. No entanto, os resultados apontavam que a redução da mortalidade causada pelo uso da estatina era maior do que o efeito que ela tem de inibir a síntese de colesterol. Era preciso descobrir o mecanismo causador dessa redução. E, de fato, há cerca de dez anos, descobriu-se que as estatinas tinham um efeito anti-inflamatório, porém, a maneira como isso acontecia não estava satisfatoriamente compreendida.

A novidade do trabalho coordenado pelo professor Velloso foi mostrar qual é esse mecanismo ou, pelo menos, um dos mecanismos utilizados pela estatina para reduzir a inflamação.
Essa classe de fármacos é utilizada rotineiramente no tratamento de dislipidemia. É uma das doenças mais comuns na população mundial, que mais mata porque leva à formação de placas de ateroma nas artérias. Dessa maneira, as artérias vão sendo gradativamente obstruídas e acabam levando o paciente à morte por infarto do miocárdio ou derrame – que na linguagem médica é chamado de acidente vascular cerebral (AVC). Além disso, se ocorrer obstrução de artérias em outras regiões do corpo humano pode levar à amputação ou mesmo a perda de órgãos, como o rim, por exemplo.

Basicamente, três causas podem levar ao nível de colesterol elevado. A primeira é genética. A segunda concentra-se nas causas ambientais, onde a mais comum é a alimentação feita de forma errada. A terceira está no estilo de vida sedentário, com baixa atividade física. Como muitas pessoas acabam associando as três causas, o risco de morte torna-se iminente.

*Artigo aceito para publicação“Reduction of endoplasmic reticulum stress - a
novel mechanism of action of statins in the protection against atherosclerosis”.
Ikaro Breder, Andressa Coope, Ana Paula Arruda, Daniela Razolli, Marciane
Milanski, Gabriel Dorighello, Helena C. de Oliveira e Lício A. Velloso. Revista
Atherosclerosis, maio de 2010.

*Reportagem originalmente publicada no JORNAL DA UNICAMP. Campinas, 17 a 23 de maio de 2010. Foto: Antoninho Perri.

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