23 de ago. de 2009

Pesquisa da FCM abre perspectivas para o tratamento da obesidade e do diabetes

Pesquisadores identificam proteína envolvida na termogênese corporal
Por: EDIMILSON MONTALTI
Jornal da Unicamp

Pesquisadores do Laboratório de Sinalização Celular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp descobriram uma nova função para uma proteína existente na membrana celular que participa do desenvolvimento da obesidade. A pesquisa é resultado da tese de doutorado “Animais knockout para o receptor 1 do TNF-a estão protegidos de obesidade induzida por dieta”, da bióloga Talita Romanatto. A orientação do trabalho é do pesquisador e professor Lício Augusto Velloso, do Departamento de Clínica Médica da FCM.

O estudo foi apresentado no mês de abril durante o XXI Congresso Europeu de Endocrinologia, ocorrido em Istambul, na Turquia. A pesquisa recebeu o prêmio de melhor trabalho na área básica. Após a premiação, o trabalho foi encaminhado para publicação numa importante revista internacional, de acordo com os pesquisadores. O resultado da pesquisa abre uma nova frente de estudos para o desenvolvimento de medicamentos destinados ao controle da obesidade e do diabetes.

Segundo os pesquisadores, o organismo produz uma série de reações inflamatórias para a defesa contra infecções. Quando cortamos o dedo, por exemplo, há um recrutamento de anticorpos e de outras proteínas que formam uma barreira para a defesa do organismo. Uma das principais proteínas envolvidas no início dessa reação, chamada de resposta imune inata, é a citocina TNF-a, cujas principais funções ocorrem por meio da sua ligação a receptores específicos.
O TNF-a possui uma família bastante complexa de receptores. Ela é formada por 29 membros que estão presentes na membrana das células. Cada receptor tem uma função diferente, sendo que o mais importante deles e o mais estudado atualmente é o TNRF1, que está presente em todas as células do organismo.

O interesse em estudar esse receptor se deve ao fato de existir uma conexão entre os níveis alterados da citocina TNF-a em casos de obesidade e diabetes. Na opinião de Lício Velloso, a descoberta do envolvimento do TNF-a no desenvolvimento dessas doenças, feito por um grupo de Boston no início dos anos 1990, é uma das mais importantes na área da medicina.
“Remédio sempre atua num determinado alvo que, geralmente, são proteínas. Quando você identifica uma proteína como um alvo potencial, você abre uma porta nova para o desenvolvimento de um novo medicamento. O trabalho da Talita identificou uma nova função para o receptor de uma proteína que, pelos estudos desenvolvidos até agora, parece servir de alvo para o tratamento da obesidade”, explicou o orientador da tese.
Relevância clínica

O processo de produção científica dentro de um laboratório é imprevisível. Uma pesquisa, por vezes, é rápida – em três anos o pesquisador chega a um resultado. Às vezes, pode levar até 10 anos. Tudo depende da complexidade que o pesquisador encontra durante o processo. Na opinião de Lício Velloso, a pesquisa desenvolvida por Talita entra na última categoria, pois ela precisou resolver questões inerentes ao processo de investigação biológica.

O primeiro passo para o desenvolvimento da pesquisa foi a instalação de uma colônia de camundongos modificados geneticamente para o receptor 1 de TNF-a, chamados de camundongos knockout. Talita adquiriu as matrizes na USP de Ribeirão Preto que foram importadas do laboratório Jackson, dos Estados Unidos. O animal produz a proteína TNFR1 de uma maneira modificada, sendo que ela não tem função fisiológica para o organismo. Para ter certeza da pureza da linhagem, a pesquisadora fez a genotipagem dos três primeiros cruzamentos das cobaias. Só depois ela começou a pesquisa.

Depois que as cobaias atingiram a fase adulta, o animal knockout e outro normal, chamado de controle, receberam uma dieta rica em lipídios durante oito semanas. Após esse período, a pesquisadora constatou que o animal controle engordou, enquanto que o animal knockout não teve alteração em seu peso, mesmo comendo mais que o animal controle. Foi nesse ponto do trabalho que Talita começou a investigar o por quê do animal knockout não engordar.

Com base em vários experimentos, a pesquisadora constatou que a ausência do receptor TNFR1 está envolvida num mecanismo de proteção contra a obesidade. Os animais que não possuem o receptor funcional apresentaram aumento de gasto energético involuntário, processo conhecido como termogênese. A pesquisadora observou que o consumo de oxigênio muscular e total do animal modificado geneticamente era maior que do animal controle.

“Ao medir o consumo de oxigênio e a produção CO2 do animal knockout, verificamos que ele gastava mais energia que o animal controle sem aumentar a temperatura corporal. Mesmo consumindo uma dieta rica em gorduras, ele não engordava. O gasto energético era tão alto que ele nem chegava a acumular gordura”, explicou Talita.

De acordo com os pesquisadores, a relevância clínica do estudo está no fato de que a maioria dos medicamentos existentes no mercado foca nas dietas, na ingestão de alimentos, funcionando como moderadores ou inibidores do apetite. A descoberta feita no Laboratório de Sinalização Celular mostra a possibilidade de uma nova forma terapêutica baseada no gasto energético corporal, por meio da termogênese.

“Nós não podemos inibir totalmente a citocina TNF-a porque ela participa da resposta inflamatória como defesa do organismo, mas podemos tentar inibir parcialmente o receptor, procurando alvos terapêuticos que controlem não a ingestão alimentar, mas sim que regulem o gasto de gordura corporal”, comentou Talita.

Para Lício Velloso, a ativação do gasto energético nos animais knockout para o receptor 1 de TNF-a é um achado importante. O ponto a ser considerado numa nova fase da pesquisa é a produção de compostos químicos capazes de interagir com o receptor e regular a função da proteína. Entretanto, comentou o orientador da tese, a função dos pesquisadores do Laboratório de Sinalização Celular não é fazer fármacos, mas sim descobrir alvos para isso.

Hoje, de acordo com Velloso, os pesquisadores têm uma grande quantidade de informação que deixa claro que o TNFR1 é um receptor muito importante na origem da obesidade. “A Talita é bióloga, eu sou médico e temos na Unicamp a Faculdade de Engenharia Química e o Instituto de Química. Esperamos, num determinado momento, interagir com eles para ver se há interesse em desenvolver um produto na linha termogênica que ajude no controle da obesidade e do diabetes”, disse o médico-pesquisador.

Diabetes
De acordo com os pesquisadores, há uma conexão íntima entre diabetes e obesidade. Dados internacionais demonstram que 80% das pessoas que têm diabetes no mundo, ficaram obesas antes de desenvolver a doença. Diabetes e obesidade são doenças que têm componentes genéticos e ambientais. “Ficar obeso é o primeiro passo para uma pessoa ficar diabética. E as pessoas obesas têm grande propensão a ter resistência à insulina”, revelou o Velloso.

Já é de conhecimento dos pesquisadores que a concentração da citocina TNF-a aumenta, também, a resistência à insulina em pacientes diabéticos. O TNF-a tem um efeito direto nos mecanismos de ação da insulina, o principal hormônio que regula a captação de glicose pelo organismo. Quando se tem muita proteína TNF-a no organismo, ela prejudica a ação da insulina e a glicose plasmática aumenta.

“O TNF-a faz parte do início do desencadeamento tanto da obesidade quanto do diabetes. Se tivermos drogas que controlem a sua função por meio do receptor TNFR1, nós poderemos ter uma repercussão boa para o tratamento dessas doenças”, disse Velloso.



*Reportagem originalmente publicada no JORNAL DA UNICAMP. Campinas, 17 a 23 de agosto de 2009. Foto: Antoninho Perri

31 de mai. de 2009

Gordura atrai gordura

Ácido graxo encontrado em carnes vermelhas causa a morte de neurônios que controlam o apetite
Por: Carlos Fioravanti
Pesquisa FAPESP
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009

Quem aprecia uma picanha malpassada e principalmente a camada branca de gordura que a envolve talvez se inquiete. Um tipo de gordura – os ácidos graxos saturados de cadeia longa, encontrados principalmente em carnes vermelhas – pode ser uma das causas da obesidade. De acordo com experimentos realizados em camundongos, essas moléculas acionam uma inflamação no hipotálamo, na base do cérebro, que leva à destruição dos neurônios que controlam o apetite e a queima de calorias. “Talvez tenhamos encontrado uma explicação para a dificuldade de as pessoas obesas controlarem a fome e perderem peso, mesmo que adotem dietas severas para emagrecer”, diz Lício Velloso, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordenou esse estudo, publicado em janeiro na revista científica Journal of Neuroscience.

Os estudos anteriores da equipe de Velloso e de outros grupos já haviam mostrado que a obesidade era uma doença que começava no cérebro ou nos músculos, induzida por dietas com excesso de açúcares ou de gorduras. Esse excesso gerava resistência ao hormônio insulina, que carrega a glicose para as células, onde é transformada em energia, e induz ao consumo contínuo de alimentos (Pesquisa FAPESP nº 140).

Testes com animais já haviam mostrado que dietas ricas em gordura em geral danificavam o hipotálamo mais intensamente que as ricas em açúcares. Para ver qual tipo de gordura era mais danoso, os pesquisadores da Unicamp injetaram diferentes tipos de ácidos graxos de origem animal ou vegetal no hipotálamo de camundongos. Os encontrados no óleo de soja mostraram um efeito tênue sobre o cérebro, enquanto os encontrados em gorduras animais e em proporção menor no óleo de amendoim apresentaram ação mais danosa. As moléculas de ácido graxo saturado se ligam a proteínas de superfície chamadas TLR-2 e TLR-4 de um tipo de células chamadas microglias, que protegem os neurônios do hipotálamo contra vírus e bactérias, de acordo com o experimento realizado por Marciane Milanski sob a orientação de Velloso. Uma vez acionadas, a TLR-2 e, em maior intensidade, a TLR-4 estimulam a produção de outras proteínas, conhecidas como citocinas.

Normalmente, em outras partes do corpo, as citocinas estimulam a produção de anticorpos e de células especializados em combater vírus, bactérias e tumores. No hipotálamo, as citocinas produzidas desse modo destroem neurônios que controlam o apetite e a queima de calorias. “O que não se sabia era o que poderia disparar essa inflamação que leva à morte de neurônios”, diz Velloso. Juliana Contin Moraes deve apresentar este mês uma tese de doutorado orientada por Velloso mostrando, por meio de seis técnicas de análise distintas, a morte de neurônios induzida
pela inflamação acionada por esses tipos específicos de gordura.

A TLR-4 era um alvo antigo. Em experimentos anteriores, camundongos dotados de uma mutação genética que desliga essa proteína engordaram menos, sem desenvolver resistência à insulina, mesmo quando submetidos a uma dieta com excesso de lipídeos (gorduras). O acionamento da TLR-4 explica também um fenômeno observado há anos nos laboratórios de Velloso e Mario Saad na Unicamp: a produção mais intensa que o normal de enzimas que impedem o funcionamento da insulina. Essa proteína representa agora a conexão entre dietas ricas em gorduras e o desenvolvimento da resistência à insulina, que pode facilitar o desenvolvimento de obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares. Até mesmo câncer pode se desenvolver mais facilmente em pessoas com peso acima do considerado saudável.

Uma pessoa é considerada com sobrepeso quando apresenta índice de massa corporal (IMC, obtido pela divisão do peso pelo quadrado da altura) de 25 a 29,9 kg/m2 e obesa com IMC igual ou superior a 30 kg/m2: assim, por exemplo, uma pessoa com 1,70 metro de altura é obesa se tiver mais de 87 quilos. De acordo com um levantamento do IBGE com base na população de 2003, 41,1% dos homens e 40% das mulheres apresentam sobrepeso e 8,9% dos homens e 13,1% das mulheres são obesos no Brasil.

Quem gosta de comer carne com gordura deve estar se perguntando o que fazer para evitar essa situação. Certamente, acredita Velloso, reduzir o consumo de gorduras pode ajudar, mas, outra vez, não há informação sobre qual a quantidade de gorduras começa a matar neurônios nem se essa cascata de reações pode ser contida ou revertida. “O obeso, cujo organismo refaz continuamente o ponto de equilíbrio, corre o risco de nunca mais voltar ao equilíbrio anterior, com peso estável”, diz Velloso. A saída ainda distante seria encontrar medicamentos anti-inflamatórios capazes de agir somente no hipotálamo e em resposta a estímulos gerados apenas por ácidos graxos saturados de cadeia longa, para evitar que as células de defesa deixem de reagir quando apareça algum vírus ou bactéria.

25 de mar. de 2009

Dieta rica em gorduras causa lesão que abre caminho para a obesidade

Descrição é inédita na literatura médica
Por: LUIZ SUGIMOTO
Jornal da Unicamp

Pesquisa desenvolvida na Unicamp indica que dietas ricas em gorduras saturadas, como as presentes nas carnes bovina e suína, promovem a lesão de uma região do cérebro chamada hipotálamo, responsável pelo controle da fome e do gasto energético. Segundo o estudo, algumas pessoas, quando expostas a dietas hipercalóricas, perdem gradativamente este controle neural e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas com o decorrer do tempo.
Esta descrição de uma lesão neurológica induzida por fatores nutricionais, levando ao desenvolvimento da obesidade, é inédita na literatura médica.

“É sabido que quem ingere muita gordura ganha peso, mas acreditava-se, até alguns anos atrás, que a obesidade se devia ao valor energético do alimento, apesar das evidências de que esta não era a única causa. Afinal, entre os indivíduos que consomem dietas ricas em gordura, há os que engordam e outros que não. Por isso, buscamos em modelos animais outras explicações para a gênese da doença”, explica o professor Licio Augusto Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Licio Velloso orientou as teses de doutorado de Marciane Milanski e Juliana Contin Moraes, que investigaram a influência de ácidos graxos no funcionamento do hipotálamo.

As autoras descobriram que as gorduras saturadas possuem propriedades moleculares que ativam uma resposta inflamatória especificamente nesta pequena região do cérebro e, ainda, que tal inflamação é desencadeada por um receptor do sistema imune denominado Toll-Like Receptor 4 (TLR4).

Os resultados obtidos por Marciane Milanski, referente à primeira parte da pesquisa, foram publicados em janeiro deste ano na conceituada revista Journal of Neuroscience, enquanto o trabalho de Juliana Moraes já está submetido para publicação. Os estudos foram realizados dentro do Laboratório de Sinalização Celular da FCM – componente do INCT (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) – e tiveram financiamento da Fapesp e do CNPq.

Se, uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções e permite que ocorra um desequilíbrio entre ingestão de alimentos e gasto de energia na forma de termogênese, Licio Velloso acrescenta que a exposição aos ácidos graxos saturados, quando prolongada, pode levar à morte de neurônios – processo chamado de apoptose. “A perda de neurônios com função central no controle do peso pode selar o destino do indivíduo, que passa a conviver com uma dificuldade cada vez maior de controlar sua fome”.

A perda definitiva destes neurônios do hipotálamo, na opinião do professor da Unicamp, deve explicar por que pessoas obesas que se submetem a dietas rigorosas, ainda que consigam emagrecer nas primeiras semanas, voltam a engordar. “Hoje podemos afirmar que gorduras saturadas contribuem para o ganho de peso não apenas por seu valor calórico, mas também por causa de propriedades moleculares que esses nutrientes possuem. O efeito depende da carga genética de cada indivíduo. Nos experimentos, vimos que animais com predisposição à obesidade perdem mais neurônios”.

Foco no TLR4
Para investigar os efeitos de dietas hiperlipídicas no hipotálamo, Marciane Milanski testou em animais de laboratório três tipos de gorduras comuns na mesa do brasileiro: um grupo de animais foi alimentado com ácidos graxos presentes no óleo de soja, outro com ácidos graxos de gorduras de origem animal, e um terceiro com gordura monoinsaturada do azeite de oliva. “Vimos que a dieta rica em gordura animal é a que mais influencia para o desequilíbrio entre o que uma pessoa come e o que ela gasta de energia”.

A pesquisadora focou seu estudo no TLR4, um receptor do sistema imune inato que nos protege de infecções primárias ao provocar uma inflamação que sinaliza à célula sobre uma bactéria invasora a ser combatida. “A literatura mostra que ácidos graxos saturados ativam o TLR4 para desenvolver diabetes e obesidade, mas em tecidos periféricos. Fui investigar se este receptor estava presente também no sistema nervoso central, se era ativado e por qual tipo de gordura”.

Marciane Milanski explica que o TLR4, quando ativado, produz citocinas que causam inflamação no hipotálamo, o que interfere com a sinalização dos hormônios responsáveis pelo controle da fome e do gasto energético. Ela acrescenta que qualquer perturbação nesta região delicada do cérebro pode fazer com que o indivíduo sinta uma fome intensa ou, ao contrário, nenhuma fome. “Concluímos que nos animais que receberam dieta saturada este prejuízo na sinalização foi praticamente irreversível”.

A autora da tese concluiu, também, que a gordura do azeite de oliva exerce uma ação protetora, depois de comparar animais assim alimentados com os de grupos que receberam uma dieta controle (com apenas 10% de gordura) e uma dieta rica em gordura animal. “Não registramos diferenças no ganho de peso ou na quantidade de alimento ingerido durante o período de dieta hiperlipídica. No entanto, quando voltamos à dieta normal, o grupo alimentado com gordura saturada continuou ganhando peso, enquanto o outro, que consumiu gordura de azeite, passou a perder peso, até mais do que o grupo controle”.

Morte de neurônios
Juliana Moraes, por sua vez, baseou seu trabalho no conhecimento já existente sobre o papel inflamatório dos ácidos graxos e em um estudo anterior feito no Laboratório de Sinalização Celular. Este estudo mostrou que animais submetidos a dietas ricas em gordura saturada produziam várias citocinas pró-inflamatórias no sistema nervoso central, onde o número de neurônios era diminuído. “Pesquisei se ocorria o mesmo no hipotálamo, justamente o sítio que controla a fome e a termogênese”.

A pesquisadora abre parênteses para explicar que a perda de neurônios pode estar associada a um processo denominado “morte celular programada”, a apoptose, que é benéfica para o desenvolvimento do organismo. “Por exemplo: sem apoptose, os humanos teriam membranas entre os dedos. Mas, quando muito intensa, e ocorrendo em locais errados, ela passa a ser prejudicial, podendo gerar inclusive algumas doenças neurodegenerativas”.

A autora da tese observou que os animais com dieta hiperlipídica apresentavam, de fato, processos de indução de morte celular, e especificamente de neurônios do hipotálamo, quadro não registrado em animais alimentados com ração normal. “Depois da ingestão por certo tempo de ácidos graxos saturados em excesso, ocorre a ativação do TLR4 de forma exacerbada, levando a uma sinalização que culmina em apoptose. Há uma inflamação altíssima, com a morte de neurônios-chaves no controle da fome. Como o neurônio tem pouquíssimas chances de se regenerar, sua função é perdida”.

Entretanto, segundo Juliana Moraes, caso a exposição à alimentação hiperlipídica continue indefinidamente, o próprio TLR4 apresenta um mecanismo de autocontrole em que sua sinalização é atenuada. “O hipotálamo continua inflamado, gerando perturbações no equilíbrio do seu funcionamento, mas trata-se de uma inflamação protetora, já que a apoptose é diminuída e
os neurônios deixam de morrer. De qualquer forma, muitos neurônios já foram perdidos”.

Mecanismos

Na opinião do professor Licio Velloso, as pesquisas feitas por Marciane Milanski e Juliana Moraes elucidam aspectos importantes para a compreensão dos mecanismos que levam ao desenvolvimento da obesidade, contribuindo com futuras pesquisas que ajudem a conter a doença, já considerada um dos principais problemas de saúde pública no mundo. “Mais de 300 milhões de pessoas são obesas e este número deve aumentar substancialmente nas próximas décadas, de acordo com projeções da Organização Mundial de Saúde”.

O docente da Unicamp adianta que o Laboratório de Sinalização Celular está recebendo novos alunos para seguir nesta linha de pesquisa. Uma possibilidade é identificar a carga genética que faz com que um indivíduo, ao ingerir uma dieta rica em ácidos graxos saturados, apresente maior chance de perder neurônios do hipotálamo e tornar-se obeso, enquanto um outro se mantém protegido deste risco, ainda que também abuse da gordura. “No futuro, um teste poderia apontar a predisposição à obesidade ainda na infância, sugerindo aos pais que mantenham a criança afastada de determinado tipo de alimento”.

Velloso observa que uma das pesquisas realizadas sob sua orientação descreve, justamente, o papel dos ácidos graxos saturados para a obesidade. “A picanha não possui apenas um tipo de gordura, são várias misturadas, com 16 e 18 carbonos. E o estudo constatou que as gorduras saturadas de cadeia longa (com mais carbonos), muito presentes nas carnes bovina e suína, são as mais inflamatórias”.

Outro objeto de pesquisa seria saber se o processo de morte de neurônios no hipotálamo, desencadeado pela ativação exacerbada do TLR4, é de alguma forma reversível. “Veja que, até pouco tempo, dizia-se que perder um neurônio era perdê-lo para sempre. Hoje, no entanto, já se fala em regeneração do neurônio, o que é algo complexo, mas possível. A terapia de células-tronco pode ser um caminho para reverter o desenvolvimento da obesidade”.


*Reportagem originalmente publicada no JORNAL DA UNICAMP. Campinas, 09 a 15 de março de 2009. Foto: Antonio Scarpinetti.

13 de mar. de 2009

Dieta à base de carne afeta o cérebro

Pesquisas mostram que lesões atingem área cerebral que controla a fome e o gasto de calorias
Por: FERNANDA ARANDA
Jornal da Tarde

Duas pesquisas recém-concluídas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) atestaram que uma dieta rica em gordura animal (carne de vaca e porco) pode provocar lesões no cérebro, responsáveis por alterar o controle da fome e também o gasto calórico. Juntas, estas alterações cerebrais aumentam ainda mais o risco de obesidade, uma das doenças que mais cresce no País.

“O objetivo dos estudos foi identificar o motivo de algumas pessoas que comem muito engordarem e outras não”, afirma Lício Velloso, professor de da Unicamp e orientador das duas pesquisas.“Com os resultados, conseguimos apurar que o que diferencia os dois casos é a lesão no cérebro, que promove o desequilíbrio entre a sensação de saciedade e a eliminação de calorias”, afirma.

A análise dos danos cerebrais foi feita em camundongos. Os animais que comeram maior quantidade de alimentos sem qualidade nutricional apresentaram maior “mortalidade” de neurônios que controlam os mecanismos da fome. Para que o dano cerebral surgisse, foram de 8 a 16 semanas de dieta gordurosa o que, em vida humana, representa de 3 a 4 anos. Para Velloso, com os resultados, além de entender mais um mecanismo da obesidade, um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos foi aberto. A nova descoberta da ciência está em um contexto de aumento galopante do índice de brasileiros que apresentam sobrepeso.

Segundo uma publicação da Universidade de Brasília (UnB), só na região Sudeste a taxa de obesos cresceu 285% nas últimas quatro décadas, saindo de 0,2% para 0,77%. Nas escolas e creches, o problema com a balança dos alunos (11%) já supera até a desnutrição (4,3%), como mostrou o raio X nutricional dos estudantes feito pelo nutrólogo Mauro Fisberg e o instituto de pesquisas da Danone.

João Eduardo Nunes Salles, médico da Santa Casa e diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), acredita que as razões por trás do aumento da obesidade são a mudança do padrão alimentar do brasileiro e também as facilidades trazidas pela vida moderna.

“O famoso prato de arroz, feijão, bife e salada deu lugar à comida industrializada. Sem contar a inatividade física. Tudo é automático, escada rolante, elevador, controle remoto.” O crescimento de obesos interfere no serviço público de saúde. Segundo o Ministério da Saúde, a oferta de cirurgia bariátrica (redução do estômago) cresceu 542% de 2001, quando o procedimento passou a ser realizado pela rede, a 2008. Ano passado foram 3.195 cirurgias ante 497.

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